A Lei do Trabalho, aprovada pela Lei n. º 23/2007, de 1 de Agosto, vigora há mais de dez anos em Moçambique. De forma a ajustá-la às actuais exigências do mercado e às normas do Direito Internacional Laboral, impôs-se ao governo levar a cabo um trabalho de revisão legal, depois de ouvidos os parceiros sociais e as instituições relevantes.
Neste sentido, foi recentemente submetido ao governo o anteprojecto da Lei do Trabalho (doravante “Anteprojecto”) para debate e melhoramento, cujo conteúdo incide, sinteticamente, sobre as seguintes matérias:
O anteprojecto começa por fazer uma abordagem ao direito do trabalho e aos direitos da personalidade como direitos do trabalhador.
Os direitos da personalidade, normalmente definidos como irrenunciáveis e intransmissíveis, reflectem-se na forma como a pessoa controla o uso do seu corpo, nome, imagem, aparência ou quaisquer outros aspectos constitutivos de sua identidade. Podem ser vistos também como direitos atinentes à promoção da pessoa na defesa de sua essencialidade e dignidade.
No âmbito dos direitos da personalidade, o anteprojeto refere-se à proibição do empregador (superior hierárquico ou até outro colega) de revistar os trabalhadores durante a entrada e/ou saída do local de trabalho. Nestes casos, exorta-se ao uso de meios tecnológicos capazes de fazer revista aos trabalhadores em substituição do uso das mãos.
Por outro lado aborda a proibição da realização de testes e exames médicos ao candidato a emprego ou ao trabalhador visando apurar o seu estado serológico.
No âmbito da protecção dos direitos da mulher trabalhadora, mormente a maternidade, o anteprojecto propõe estender o período de 60 (sessenta) para 90 (noventa) os dias do gozo de licença da maternidade.
A gravidez, a doença, a maternidade e a paternidade passam a assumir uma forte relevância jurídica, tanto é que, durante o gozo das respectivas licenças: (i) fica suspenso o prazo (de trinta dias) que medeia o conhecimento da infracção e entrega da nota de culpa ao trabalhador, (ii) passa a ser ilícito o despedimento promovido contra mulher grávida, latente ou puérpera, (iii) fica suspensa a relação laboral e (iv) fica suspensa a contagem do prazo da prescrição do exercício dos direitos do trabalhador em causa.
Introduz-se, ainda, a presunção de celebração por tempo indeterminado da relação jurídica presumivelmente constituída sem contrato escrito.
Por forma a harmonizar o Direito do Trabalho interno às normas da Organização Internacional de Trabalho (OIT), o anteprojecto introduz, ex novo, a figura da proibição das piores formas de trabalho infantil, que, para todos os efeitos, são as que constam da Convenção n.º 188 da OIT. Proíbe-se, assim, veementemente, a submissão de crianças a qualquer trabalho de escravidão, trabalho compulsório ou de exploração, incluindo a sexual.
No que concerne a contratação de trabalhadores estrangeiros para áreas técnicas, introduz-se a necessidade de autorização pelo ministério que superintende a área do trabalho, ouvida a entidade que superintende o sector em causa. Esta alteração vem harmonizar a legislação laboral com o quadro legal referente Regulamento dos Mecanismos e Procedimentos para a Contratação de Cidadãos de Nacionalidade Estrangeira, o qual foi objecto de alterações recentes.
Propõe-se outrossim a introdução os contratos de pluriemprego, trabalho intermitente e teletrabalho, embora sem particular densificação face ao regime anterior.
No que diz respeito aos direitos do trabalhador, passa este a gozar do direito a ajudas de custo e ao pagamento de todas as despesas inerentes à deslocação de serviço.
Ainda, foram acrescidos aos deveres do trabalhador os seguintes: (j) contribuir para a promoção da cultura de trabalho e aumento da produção e da produtividade da empresa; (k) colaborar com a entidade empregador para a manutenção de um bom ambiente de trabalho e paz laboral; (m) denunciar qualquer acto ilícito que possa por em causa a actividade da empresa bem como a segurança de pessoas e bens no ambiente de trabalho.
Censura-se com maior veemência a figura do “assédio” e “assédio sexual” praticados pelo empregador ao trabalhador e estatui-se a respectiva sanção.
Destaca-se ainda a nova figura do “abuso do poder disciplinar”, nos casos em que o empregador usa do seu poder disciplinar para alcançar fins não disciplinares. Neste caso, a decisão que daqui provier é ilícita, sendo o empregador passível de condenação em indemnização ou reintegração do trabalhador.
No concernente à duração do período do trabalho, é introduzida a figura do horário do trabalho em regime de alternância.
Na cessação da relação laboral é introduzida a figura da revogação do acto administrativo que permitiu o trabalho em Moçambique.
O despedimento colectivo assume novos fundamentos, é agora mister que o empregador, no período de três meses, invoque motivos estruturais, económicos, tecnológicos e de mercado e faça cessar mais de oito contratos de trabalho, de uma só vez nas pequenas empresas e mais de dez contratos de trabalho nas médias e grandes empresas.
Introduz-se, ainda, a reforma obrigatória aos trabalhadores, homens com 65 (sessenta e cinco) anos e mulheres com 60 (sessenta) anos.
No regime sancionatório prevê-se a sanção de 5 (cinco) a 10 (dez) salários mínimos pela falta de comparência do empregador ou seu representante a uma notificação da Inspeção-geral do Trabalho.
Por fim, o tocante à norma transitória, versa o anteprojecto que, no que concerne aos contratos celebrados à luz da já revogada Lei n. 8/98, de 20 de Julho, cujos salários mínimos incluindo bónus de antiguidade estejam entre 1 (um) a 7 (sete) salários mínimos, durante os primeiros quatro anos de vigência da presente Lei, aplica-se o regime de indemnizações previsto na Lei n.º 8/98, de 20 de Julho.
Concluindo, e tendo em conta a actual dinâmica social e económica, faz-se ressaltar que, efectivamente, o anteprojecto traz à luz matérias de grande relevância no âmbito da prossecução das relações laborais, sendo, portanto, pertinente a sua aprovação e entrada em vigor.
Não deixamos porém de assinalar que se perdeu uma oportunidade única para se reformular a tramitação dos procedimentos disciplinares, tornando mais ágil e menos formalista. Trata-se de uma crítica antiga por parte dos operadores económicos que, injustificadamente, ainda não encontrou cobertura legislativa neste Reforma.